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As linhas de minha biografia

Antonio Pacheco (*)


Antonio Pacheco (Nino)

A Estrada de Ferro São Paulo e Minas surgiu em uma época em que o transporte ferroviário era o principal meio de integração entre centros urbanos e para o escoamento de pessoas e produtos. O inglês James Stuart, um dos fundadores dessa estrada de ferro, tornou-se em 1906 seu gestor único e, no mesmo ano, construiu sua residência em Bento Quirino, local sede da ferrovia. Com essa iniciativa estimulou que mais pessoas fossem lá morar e, com isso acelerou o desenvolvimento do bairro. No início da gestão de James Stuart, meu pai começou a trabalhar na estrada de ferro, como guarda trem, e foi um dos primeiros funcionários da São Paulo e Minas. Como a estrada de ferro era o principal empreendimento da cidade, os funcionários que ali trabalhavam eram como se fossem de uma grande família e, em Bento Quirino, era comum que rapazes humildes, ao concluírem a escola primária, sonhassem com um emprego na São Paulo e Minas. Os primeiros três anos de ingresso eram

de estágio sem remuneração, mas ninguém se importava com isso. Portanto eu, incentivado pela minha mãe, com 11 anos, enchi-me de coragem e pedi ao superintendente que me desse uma oportunidade.


No dia 7 de fevereiro de 1941 ingressei na ferrovia, na repartição do Tráfego, como aprendiz de telegrafista. A forma de comunicação entre as estações e a central de controle, o Tráfego era por meio do telégrafo, com mensagens em código Morse. Cada letra do alfabeto, no Código Morse, era representada por uma combinação de até quatro sinais, batidos por uma agulha em dois lados de uma campainha, uma de som grave e outra de som agudo. Os sinais obedeciam aos toques de duas teclas, uma à direita e outra à esquerda. As mensagens eram

transmitidas por impulsos, em fios. Iniciei batendo o alfabeto incansavelmente, formei palavras e depois conteúdos inteiros, até que me tornei um veloz telegrafista. Trabalhei três anos como praticante gratuito, prestando serviços no telégrafo. Com 14 anos de idade, comecei a ganhar meio salário mínimo e a fazer plantões.


Durante 17 anos, trabalhei na repartição do Tráfego até que, em 1958, fui transferido para a contabilidade. Este novo setor me permitiu desenvolver habilidades mais condizentes com meus estudos. Assumi responsabilidades como o orçamento anual da Estrada, os cálculos, as previsões, os montantes, projetos, metas e finalidades. Em 1963, o novo diretor, sem experiência ferroviária, me fez secretário particular e dava crédito aos meus conselhos.


Ingressar na ferrovia com pouca idade, exigia amadurecimento antecipado dos garotos, que não somente desenvolviam responsabilidades profissionais, mas inspiravam-se na personalidade e no caráter de seus superiores. Eu valorizava os chefes com quem eu trabalhei, admirava a dedicação e a retidão com que conduziam suas atividades. Além disso, os anos de trabalho e proximidade permitiram com que construísse laços sinceros de amizade.


A grande família ferroviária que se formou, tradicionalmente laboriosa, acreditava que seu esforço e trabalho pudessem manter a São Paulo e Minas rentável e viável. Mas ao contrário, a empresa chegou ao fim. Gestões desvinculadas dos objetivos reais de uma ferrovia, desmandos administrativos e desprezo oficial do Governo do Estado fez com que, em 1967 a São Paulo e Minas fosse entregue para a administração da Mogiana. Aos poucos, antigos chefes da SPM foram sendo substituídos ou subordinados à novos assessores e a uma equipe oportunista e ressentida, preocupada em encontrar irregularidades e valer-se de revanchismos. Relutante aos desmandos, consegui minha nomeação como chefe de contabilidade na nova empresa, cargo que exerci até 1972, quando assinei como contador, o último balanço da Estrada de Ferro São Paulo e Minas.


A ferrovia da minha vida foi a São Paulo e Minas. Embora pequena e deficitária, cumpriu o seu papel profissional e social. Foram 35 anos felizes que trabalhei como ferroviário. Hoje vemos como foi equivocada a decisão de maus governantes que, primeiro prejudicaram as ferrovias com má administração e uso político, e depois as abandonaram preferindo investir no transporte rodoviário, que é muito mais oneroso e ineficiente. E muito recentemente sentimos na pele as consequências de tal decisão com a greve dos caminhoneiros e a crise de abastecimento que se seguiu. Todo país desenvolvido preza e zela pelo transporte ferroviário; oxalá um dia tenhamos governantes bem-intencionados que voltem a investir nesse tipo de transporte, mesmo sabendo que seu desenvolvimento é lento e que ele não poderá, no seu mandato, colher os frutos políticos dessa decisão.

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Verônica Madeira Pacheco, neta do autor, organizadora dos depoimentos e trechos do livro “Certifico”, de Antonio Pacheco (Nino), que compõem este texto.

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