Estamos sendo vistos, precisamos ser ouvidos
Alessandro Pitá (*)
Vivemos um período de plena visibilidade, porém com poucas oportunidades de participação e, consequentemente, ações efetivas que incluam definitivamente a população afrodescendente.
Nossa formação cultural, social e econômica vêm dos grupos que fomentaram a indústria escravagista através da exploração do Brasil colonial na produção de cana de açúcar, ouro, metais preciosos, mão de obra doméstica, entre outros subserviços.
Os africanos sequestrados e trazidos para o nosso continente eram produtores de cerâmica, agricultores, metalúrgicos e criadores de gado que se organizavam como Estado; eles foram os precursores de forma dolorosa de tudo que hoje está consolidado.
Podemos perceber de forma clara, tentando pesquisar na história a participação do nosso povo na construção e evolução das cidades, que nossa região e cidade não ficam longe obscurecendo a grande contribuição que tivemos (e sabemos pelas histórias ouvidas de nossos ancestrais).
Não vemos nossa história relatada, não vemos nossa contribuição expressada, como forma de alavancar a autoestima do povo preto, fortalecendo as bases e criando indivíduos com vontade e coragem de lutar por aquilo que construiu. Parece que nossa sociedade insiste em não enxergar essa eterna e silenciosa opressão.
O combate ao racismo e, principalmente, a busca por igualdade de oportunidades sempre foram bandeiras do movimento negro, através da sociedade organizada, dos pequenos grupos que, por meio de atividades culturais, esportivas, procuravam se colocar e ocupar seu espaço. Em relação ao Brasil, vários movimentos da sociedade civil, com ou sem participação do Poder Público, foram ganhando corpo se solidificando.
Como exemplo, temos o MNU (Movimento Negro Unificado), CPDCN, Conselho de Participação e Desenvolvimento da Comunidade Negra do Estado de São Paulo, Geledés, entre outros. Todos esses movimentos auxiliaram na construção do diálogo, formação das bases, fortalecimento das lutas.
Em São Simão – SP, a partir de meados do ano 2001, o movimento negro começou a se organizar e fortalecer. Através de reuniões formais e informais, nasceu a Semana da Consciência Negra, que teve 10 edições seguidas, fomentando as discussões e criando senso crítico.
Com apoio forte da sociedade, o movimento se reunia em datas comemorativas, como 21 de Março (Dia Internacional contra a Discriminação Racial), 13 de maio (Dia da Abolição da Escravatura) e 20 de Novembro (Dia da Consciência Negra), ocupando espaços de ONGs, espaços públicos como Câmara, Prefeitura, Centros Comunitários, Campos de Futebol, para difundir a cultura afro-brasileira e ampliar o debate sobre as necessidades de políticas públicas e conscientização.
Após essas mobilizações ganharem corpo, alguns avanços puderam ser observados com a implementação de Leis Municipais de iniciativa do Legislativo, criando o Conselho Municipal da Comunidade Negra e o Feriado do 20 de Novembro. Nessa data, o povo preto invadiu a Câmara num ato emocionante para comemorar esse grande avanço.
Houve também a aprovação de convênio para implementação de políticas de aplicação da lei 10.639/2003, para capacitação de educadores com objetivo de aprimorar o ensino da história da África nas escolas municipais.
Já em 2020, começamos a colher alguns frutos dessas lutas. Foi realizado no Teatro Municipal o I Simpósio Simonense de Educação para Igualdade Racial, o Departamento de saúde já faz alguns recortes para tratamento de doenças específicas da população negra.
Todos esses movimentos nos tornaram muito mais vistos, porém precisamos ser ouvidos. Precisamos que a sociedade, iniciativa privada e Poder Público entendam que, por mais de quinhentos anos, disputamos o mesmo espaço de forma totalmente desigual.
Necessitamos que a dignidade humana supere a mesquinhez, a cegueira e o esconderijo daqueles que insistem em dizer: “não existe mais racismo no Brasil”, “Vocês pretos que fomentam isso exigindo cotas”, “a escola pública está aí para todos, temos vários não negros pobres”. Termos esses que se proliferam e impedem os detentores do poder de tomarem decisões baseadas em estudos científicos e debates que culminam em leis muitas vezes fatiadas e estranguladas. Vide Estatuto da Igualdade Racial, amplamente debatido no Congresso e deturpado na Comissão de Constituição e Justiça do Senado.
As regras de definição do crime de racismo nunca foram claras, o que dificulta para a vítima e facilita para o agressor. É preciso lidar, na maioria das vezes, com a estrutura dos Órgãos de Segurança dos Governos, que insistem em tipificar assédios como ofensas, deturpando depoimentos, o que provoca cada dia mais a sensação de insegurança.
Estamos passando por períodos sombrios com casos de violência racial, no Brasil, no mundo, e, agora, bem na nossa cara.
Em outras palavras, sempre passamos por períodos ameaçadores com casos de violência racial, no Brasil e no mundo, mas atualmente temos um caso público praticamente em nosso quintal.
Hoje temos leis mais claras no que diz respeito às ações afirmativas, entretanto, existe um abismo entre a regra e realidade. De que adianta a norma, se não temos quem tenha coragem de aplicá-las, e se quem tem o poder de fiscalizar e agir não o faz?
Precisamos valorizar a diversidade! Entendemos que ninguém é obrigado a gostar de ninguém, o que precisamos efetivamente é “CONHECER PARA RESPEITAR”. Dessa maneira, teremos um mundo mais justo, diverso, que priorize a educação para quem deseja ser educado e puna quem deseja ser deseducado.
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(*) Alessandro Marcos Antonio (Pitá), simonense, casado, contador com especialização em gestão tributária e membro do Conselho de Participação e Desenvolvimento da Comunidade Negra do Estado de São Paulo.
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