Carta ao Leitor
João Jorge (*)
No dia 17/09/2020, o jornal O TRABALHO completa 116 anos. Com esta, são três as edições comemorativas dos últimos 50 anos. As duas primeiras (1984 e 2005) tiveram a mesma temática: “Ecologia e Paz”. Nesta, o tema é outro: “Cultura Simonense”. Porém, a linha editorial continua a mesma.
Naquelas, as de 1984 e de 2005, a pauta tinha como direcionamento a promoção de uma cultura de paz e a luta pela preservação do meio ambiente. De lá pra cá, depois de quase 40 anos, no mundo e no Brasil, em especial, as questões humanitárias e as ambientais caminharam e continuam caminhando em direção a uma política global de desagregação social e de destruição do meio ambiente.
Nesta, a pauta é a Cultura Simonense, tendo como “pano de fundo” editorial a promoção da paz e a preservação do meio ambiente como suporte vital para todas as espécies do planeta, inclusive a humana. Cultura é tudo aquilo que não existe por si só na Natureza. É
a capacidade da espécie humana de criar, de inventar. É o DNA da humanidade. É a memória que impulsiona a construção do futuro. É a característica de ser de um povo, de uma comunidade. Seus hábitos, seus costumes, suas tradições e suas inovações, entre tantas outras concepções.
Pensar São Simão culturalmente é um tremendo risco de avaliação. Há muita história. Há muita contradição. Há muita diversidade. E muito mais... Nesse universo simonense destacam-se quatro pontos que influenciaram categoricamente a maneira de ser simonense.
Para começar, São Simão foi durante o império uma próspera cidade que incorporou o estilo de vida dos Barões do Café. Isso significa hábitos europeus para as elites e subserviência para as classes subalternas. O município foi um dos maiores produtores de café do Brasil. Ribeirão Preto era distrito de São Simão até 1871. A aristocracia rural é uma marca de significativa importância na cultura simonense.
Depois da escravidão e com a chegada dos imigrantes no final do século XIX e início do XX, uma outra maneira de produção agrária e de organização da cidade começou a se aflorar. Os imigrantes trouxeram nas bagagens as suas artes e seus ofícios. Trouxeram também para cá a metalurgia e oficinas diversificadas. Construíram o teatro. Promoveram as diferentes manifestações culturais. Uma outra maneira de ser simonense estava sendo incorporada pela população.
Mas foi com a Estrada de Ferro São Paulo & Minas, também no início do século XX, que surgiu a concepção de uma cultura comunitária. A ferrovia foi abrigada pelo bairro de Bento Quirino. Todos eram filhos da Estrada, ou agregados a ela. O espírito laboral era de cooperação. O bem comum era a fonte de inspiração. A São Paulo & Minas era o elemento de catalisação social. A Estrada não existe mais, mas o espírito comunitário é uma concepção viva até hoje no bairro de Bento Quirino.
No final dos anos 1970, início dos 1980, a cidade de São Simão viveu um período de expansão urbana. Naquela época o país ainda agrário estava mudando radicalmente seu paradigma. A evasão do campo era estimulada por políticas governamentais. Nas cidades, muita gente ficou sem moradia ou vivia em residências precarizadas. Havia oferta de moradia em São Simão. Os migrantes vieram em busca de um teto. Trouxeram consigo o seu modo de ser, seus hábitos e costumes. A cultura simonense acolheu e incorporou novos saberes.
Tudo isso caracteriza o ser simonense. Não só. Seria reducionismo limitar uma cultura a quatro pontos. Estes são fundamentais, mas há muito mais no universo cultural de São Simão.
Porém, o processo cultural é contraditório em si. A perspectiva de futuro se alimenta de inovações, mas não há inovações sem conhecimento acumulado culturalmente. As memórias alimentam utopias.
Nesta edição, os articulistas colocam em pauta questões desafiantes como o uso de novas tecnologias na gestão pública e o desafio em superar o desemprego em São Simão. O racismo também é pauta desta edição. Cronistas ou memoristas falam de seus antepassados. Há nelas um universo de imigrantes. Isso é um contraponto à discriminação que se faz hoje aos povos pobres do mundo, expulsos de quintais embandeirados. Artistas falam ou cantam com corações. A cidade é retratada. O passado é revivido. E o futuro é uma seara de sonhos.
Boa leitura!
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(*) João Luiz Jorge, servidor público aposentado, é jornalista e editor do O TRABALHO.
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