O Trabalho
As linhas do tempo
Manuel Pacheco Júnior (nascido em 17/01/1931, em Bento Quirino, São Simão SP) ingressou na Estrada de Ferro São
Paulo & Minas em 1946, aos 15 anos, onde trabalhou até 1957, quando ingressou no Banco do Brasil. É filho de Manuel Pacheco e irmão de Antonio Pacheco (Nino), ambos ferroviários. Vive atualmente em Campo Grade – MS. São do próprio Manuel as memórias
relatadas a seguir:
O papel da ferrovia
“teve um tempo em que a gente queria muito ir para São Paulo trabalhar... tinha gente que ia bem jovem para são Paulo ganhar uns trocos... não era fácil, né... na São Paulo & Minas, muita gente se empregava ... eu mesmo, trabalhei um ano e oito meses de graça como aprendiz... esse era o chamado aprendiz, para aprender o trabalho... depois de uma semana eu já estava sabendo tudo... eu, por exemplo, fui trabalhar na contadoria, como aprendiz... tinha que aprender a escrever a máquina correntemente, ter caligrafia para fazer aquele negócio todo, depois aprender o jogo dos relatórios, como é que eram feitos... havia o chamado tráfego mútuo, quer dizer, a mutualidade entre São Paulo & Minas, Mogiana, Paulista, Santos- Jundiaí... o tráfego mútuo ... por exemplo, se você despachava uma coisa de São Paulo para Altinópolis. Essa mercadoria vinha num vagão na Ferrovia Santos-Jundiaí, Paulista, baldeava para a Mogiana e depois chegava ali em Bento Quirino passava para a São Paulo & Minas para ir até Altinópolis: quatro ferrovias. O frete que o sujeito despachava lá ,por exemplo, de São Paulo-
Altinópolis já tinha as tarifas, tudo certinho e cobrava o tanto do trajeto inteiro...
Depois tinha o conjunto de contabilização: essa parte aqui é da São Paulo & Minas, essa parte é da Mogiana... tinha que fazer o relatório ... se chegava uma mercadoria, por exemplo, ali em Bento Quirino, vinda de São Paulo ... até Altinópolis, a parte do frete era tanto... mas já era cobrado lá na saída, porque já tinha a tabela de tarifas já certinho, então já era cobrado o total, já era contabilizado o preço total . Depois as Estradas contabilizavam tudo... os relatórios eram feitos todos datilografados... as planilhas eram datilografadas...
... eram transmitidos pelo telégrafo, eram alguns toques e já estava lá ... o telégrafo de dois dedos ... era um espetáculo... agora, o Morse era de um toque... por exemplo: a letra “a” era três pancadinhas curta e uma mais comprida... e então tinha que ter o alfabeto todo na cabeça... o Nino era um telegrafista excepcional... quando eu entrei, eu entrei no tráfego e ele entrou na contadoria, para fazer o serviço de contabilização e calcular as coisas... mas o Nino entrou um pouco antes de mim... uns três anos antes, eu acho... o Nino era bom... se aposentou como chefe da contabilidade da São Paulo & Minas...”
A oportunidade de trabalho
“Aí, foi feito um armazém bem grande lá em Bento Quirino... eu comecei a trabalhar como praticante gratuito... eu era o secretário e o chefe era o José Menossi (casado com minha irmã Lourdes)... então eu comecei a trabalhar... naquele tempo eu usava calças curtas ainda... eu tinha quinze anos... quando entrei para a Estrada, botava uma calcinha comprida... chegava em casa, botava de novo as calças curtas... sapato era um sapato só, era uma botina de cadarços, daqueles de ir cruzando, cruzando e dava o laço... então... ali a gente tinha que cuidar ... depois chegava em casa arrancava o sapato.... minhafunção era tomar nota das coisas... contar a sacaria de café que ia passando (eu ia anotando, anotava...) Precisa ver o sujeito que carregava as sacas de café... o trabalho era assim: as pilhas de café, iam botando um saco em cima do outro assim: 4, 5, 4, 5, cem sacos, uma arroba, um quarteirão 140... depois ia fazendo com a escada... chegava um ponto que o sujeito tinha que subir com o saco nas costas por aquela escada... chegar lá no alto, jogar o saco e voltar... e assim, então, armazenava ali... aí chegava a hora de embarcar para São Paulo.. para São Paulo, para Campinas... então, o que acontecia? Como os trilhos da São Paulo & Minas tinha só 60 cm, então foi feito um terceiro trilho, para chegar a um metro a bitola do trajeto que ia desse armazém até na estação de Bento Quirino, para baldear para a Mogiana... Por que botaram o terceiro trilho? Porque a Mogiana tinha a bitola de 1m. Então, o vagão vinha vazio e chegava ali na estação tinha mais ou menos uns 400m do armazém até a estação da Mogiana ... e assim, então, não era preciso carregar os vagões da São Paulo & Minas e depois baldear para os vagões da Mogiana, porque com esse acréscimo do terceiro trilho, que aumentava a bitola para 1m, o próprio trem da Mogiana podia chegar ao armazém e ser carregado diretamente, de uma só vez , eliminando uma baldeação. Então os vagões entravam por aqueles trilhos... a maquininha da São Paulo & Minas que trazia o café das fazendas para o armazém era mais estreita que o vagão... chegava... e os sujeitos carreavam tudo nas costas... Então era assim a coiseira, rapaz! A gente tinha um chefe, o passe livre que era para viajar tanto na São Paulo &
Minas quanto na Mogiana, e também pela Paulista... a gente ia até São Paulo com o passe gratuito de chefe... e a gente, antes de começar a trabalhar, como era filho de ferroviário, tinha um passe com 75% de desconto! Pagava-se apenas, da passagem, 25% ... então ali a gente começou a ir para são Paulo ver o Corinthians... Naquele tempo, viajar para São Paulo não acessível a todos... eu ia umas duas vezes por ano para São Paulo... aparecia jogo do
Corinthians, eu estava lá!
O trem, uma personagem
“... trem elétrico mesmo, só lá na Paulista... o resto era tudo a lenha... de faveiro... para fazer o fogo... tinha o maquinista e tinha o foguista... a fornalha era aquela parte comprida da frente da locomotiva... e de tempo em tempo tinha que colocar mais lenha... então uma vez, numa viagem, a locomotiva tinha aquela parte da frente e a parte do tender, que é carregadinha de lenha... depois veio a locomotiva a óleo e parou a de madeira... mas o foguista passava um sufoco... uma vez eu fui em Altinópolis quando eu já era rapazinho, já... o trem era uma personagem, como a gente sabe... desde o apito ... a Mogiana, os trens da Mogiana, aliás, era um belo trem... tinha uns vagões maiores, a locomotiva maior... era muito batuta... então ela tinha um tipo de locomotiva, acho que eram cinco ou seis locomotivas iguais era 260, 261, 262, 263, 264, 265, 266... os números das máquinas... e nós, a molecada... (porque o trem, quando está para chegar faz piuiiii)... então a gente falava “quem é que adivinha?” “262!” “266!” “263!” cada um era desafiado a reconhecer o apito da locomotiva... os apitos eram mais ou menos iguais, mas cada uma tinha uma pequena diferença... difícil de distinguir... e a gente então conhecia os apitos das locomotivas... e as locomotivas eram rápidas... eram dessa série “260” ... de 260 até 266... eram sete locomotivas iguais... e a gente ficava querendo adivinhar os apitos de uma e de outra ... naquele tempo, a cabeça e o coração da gente era tomado por outro tipo de coisa ...”
Rita de Cássia Pacheco Limberti
Redatora dos relatos orais das memórias, filha de Manuel Pacheco Júnior.
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